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Justiça, por onde você anda?, por Elder Pereira



Juro que era pra ser um simples e discreto desabafo de um cidadão consciente de seus deveres e obrigações que se sente incomodado, indignado e estupefato como muitos brasileiros com a realidade brasileira.

Não sou tão velho, sou de uma época não muito distante em que um processo era tratado como um instrumento jurídico importante cuja finalidade era a busca da verdade e o propósito era fazer justiça (a quem tivesse direito) com equidade e respeito aos litigantes e as provas carreadas aos autos eram tratadas com zelo e muita atenção. 

Hoje quase tudo mudou, juízes falam fora dos autos, alguns nos passam a impressão que estão prejulgando quando vão a mídia falarem de processos em que atuam (a lei proíbe), serventuários da justiça se arvoram de uma coragem absurda e escancarada e desrespeitam advogados, partes, todos os dias nos corredores forenses e até os próprios Magistrados são desrespeitados por vezes quando suas decisões não são cumpridas no prazo legal, prazos mesmo só existem para advogados, não ousem perder um prazo se não querem ser dizimados pela caneta ferina da lei e dos seus clientes que acham que tudo é culpa do seu defensor. 

Existem processos que passam anos para serem julgados (justiça tardia não é justiça, é injustiça), quando o réu é o estado ou alguém com poderio econômico, o processo dura uma eternidade em face dos milhares de recursos protelatórios que a própria lei dispõe e, durante esse longo trâmite, muitas vezes a parte falece sem ver a prestação jurisdicional que tanto almejou quando em vida. 

Erros judiciários agora são comuns no Brasil e os fatores são diversos, nossos cárceres estão abarrotados de detentos que já cumpriram a sua pena e não conseguem sair da prisão, outros, condenados, mesmo sendo inocentes apesar das fartas provas carreadas aos autos. Faltam defensores públicos, falta uma estrutura organizacional decente que ajude o poder judiciário a funcionar com mais destreza e agilidade e falta principalmente servidores qualificados e vocacionados para o seu mister, ausência total do estado que despreza a Constituição e os direitos coletivos do cidadão. 

A justiça, a eterna rainha de todos os homens já não bate no Francisco como bate no Chico, a lei não tinha que ser igual para todos? Somos a terceira maior população carcerária do planeta, o que só comprova que a prisão não resolve se não houver uma intenção de ressocialização decente, o problema é mais profundo e social amigos, não é só político. Vivemos um festival de prisões preventivas, de que adianta? 

Sou de uma época, não tão distante como já disse, em que o respeito pela justiça e togados era unanimidade, confiávamos nossas vidas aos judicantes porque sabíamos de antemão que seríamos tratados com justeza em nossas demandas jurídicas, valia pena bater nas portas da justiça, encontrávamos respostas.

Agora, todo dia alguém mata a justiça, aqui, ali, acolá, sempre tem alguém tentando usá-la em proveito próprio e em detrimento da desgraça alheia. É a certeza da impunidade onde os menos aquinhoados sofrem na pele a morosidade e a lentidão da justiça em dar-lhe o que lhe é de direito, enquanto os de colarinho branco e políticos corruptos fazem o que querem e não lhes acontece nada, dizem que eles são imunes, tem foro privilegiado, como é bom ser político neste país. 

Estou quase acreditando que não existe uma justiça plena para pobres, pretos e miseráveis, será? Como posso acreditar e venerar uma Justiça dessas? Estou cansado, indignado, desesperançado, sintomas de um brasileiro que dedicou toda a sua vida até aqui pela justiça e que agora tristemente chega a conclusão que a cada dia que passa as leis são cada vez mais desrespeitadas tanto pelos que legislam na Câmara Federal, como por alguns que deveriam aplicá-la com a seriedade e a retidão que as mesmas merecem e que todos nós esperamos. 

Encontra eco as palavras da jovem advogada Maria Eduarda Teixeira

"Hoje em dia é uma via crucis conseguir um simples reconhecimento do direito. A política, o dinheiro, a fama, a mídia, o medo e a repercussão adentraram nos autos dos processos e as provas não trazem mais efeitos nas decisões. Infelizmente"


O Brasil tem nada menos que 181 mil normas legais, segundo um levantamento feito pela Casa Civil da Presidência da República. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor. Temos leis para tudo quanto é gosto neste país, diante desse quadro como ter uma justiça plena?. 

Seria leviano da minha parte colocar todos no mesmo balaio, existem exceções? Sim, poucas. Uma pergunta ronda na cabeça de milhões de brasileiros: justiça, por onde você anda? Mais de 60% dos presos no Brasil são negros, alguma coisa está errada...


O caso mais recente é o do Rafael Braga Vieira, que representa uma multidão de jovens negros, pobres e perseguidos. 



FOTO: INTERNET



Em junho de 2013, enquanto o Brasil era sacudido pela maior onda de protestos populares até então exigindo passe livre e mais direitos sociais, Rafael Braga Vieira, à época morador de rua e catador de latas e outros materiais, foi preso no Rio de Janeiro por carregar duas garrafas de produtos de limpeza.

Mesmo com especialistas afirmando que os materiais apreendidos com ele (desinfetante Pinho Sol e água sanitária) não eram suficientes para a preparação de um coquetel molotov, muito menos feito em garrafas plásticas, ele foi condenado. Para piorar, Rafael nem sequer participava ou mesmo sabia do que se tratava a manifestação que acontecia perto do local em que ele foi preso.

Rafael foi condenado a cinco anos de prisão por carregar garrafas de material inflamável que poderia ser usado para cometer atos de vandalismo, ainda que a acusação não fizesse qualquer sentido não fosse o direcionamento tradicional do Judiciário brasileiro: sempre contrário à população negra e pobre.

O caso de Rafael Braga é semelhante ao de milhares de outros jovens negros e pobres, abandonados pela sociedade e depois varridos pra debaixo do tapete como se fossem lixo, jogados em presídios, mortos pela polícia ou submetidos a constantes humilhações até serem quebrados completamente. Alguns, como Rafael acabam presos, perseguidos, outros como Amarildo acabam mortos e seus corpos nunca mais são encontrados.

Os corpos somem, mas as balas nunca são "perdidas", elas sempre encontram seus alvos. O Brasil vive uma constante guerra da elite - que tem a Polícia Militar para executar seus crimes - contra o resto. Contra o subproduto da exploração, do racismo, da violência.

Rafael foi condenado em 3 de dezembro de 2013, foi o único a ser condenado pelos protestos de 2013 de que ele, ironicamente, não participou. Não que outros não tivessem sido perseguidos, presos ao longo do processo, é bom lembrar. Durante os protestos mesmo quem carregasse garrafas de vinagre para amenizar os efeitos das bombas e do gás jogado pela polícia era detido, tratado como criminoso.

Mas ninguém foi condenado por carregar vinagre; Rafael foi condenado pro carregar desinfetantes - ele era pobre, descartável e alguém precisava servir de exemplo. No fim, Rafael Braga era apenas mais um pobre, negro e favelado a seguir o caminho "natural" imposto por um sistema judicial racista.

Em novembro de 2014, enquanto trabalhava fora da cadeia durante o dia - como faxineiro no escritório de advocacia que o representava, o Instituto de Defensores de Direitos Humanos - e retornava de noite para dormir no presídio, Rafael tirou uma foto em frente a uma pixação onde se lia "Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima p/baixo". Foi o suficiente para que ele fosse jogado na solitária por dez dias. Era mais uma tentativa de quebrá-lo, de esmagá-lo.

Após permanecer preso por dois anos, Rafael foi solto em dezembro de 2015 e lhe permitiram servir o resto de sua sentença em liberdade contanto que usasse uma tornozeleira eletrônica. Sua liberdade, no entanto, durou pouco.

Ao sair da casa de sua mãe para comprar pão na favela da Vila Cruzeiro, Rafael foi abordado por policiais da UPP local que disseram ter encontrado 0,6 gramas de maconha e 9,3 gramas de cocaína com ele, além de um rojão, que é usado para alertar traficantes da chegada de policiais na favela - acusações que prontamente negou, dizendo estar sendo perseguido pela polícia.

Rafael diz ter sido incriminado, uma declaração corroborada pelo fato das 5 testemunhas de acusação, todos policiais, terem dado testemunhos conflitantes durante seu julgamento. Para seu advogado, Rafael foi vítima de um flagrante forjado.

Durante o julgamento, além das únicas provas da acusação se resumirem à palavra dos policiais que prenderam Rafael, sua defesa lhe foi negada: um vizinho que testemunharia a seu favor não foi ouvido por ter uma "relação familiar" com ele, assim como foi negado o pedido da defesa para acessar as câmeras dos carros dos policiais ou os dados da tornozeleira.

Rafael foi condenado a 11 anos de cadeia em abril de 2017 por tráfico de drogas e associação para o tráfico em um julgamento no mínimo suspeito - mas extremamente comum quando se trata de negros e pobres, as reais vítimas do sistema.

Não surpreende que o Brasil seja o quarto país no número de presos e os dados mais recentes apontam que os negros são a ampla maioria dos condenados (e muitos presos mesmo antes de julgamento e muitas vezes esquecidos nas cadeias), enquanto 95% dos presos são pobres e dois terços sequer completaram o primário.

Rafael Braga, pobre, negro e com pouca educação é apenas o modelo ideal daqueles que são jogados na cadeia sem direito a um julgamento justo e sem ter seus direitos assegurados.

Seus advogados, no entanto, decidiram apelar, pedindo um habeas corpus para Rafael. O sistema, porém, parece não falhar. Criado e mantido para controlar as massas, seguiu o roteiro tradicional e dois dos três desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) decidiram manter sua prisão, enquanto o terceiro pediu vista.

Hoje, 8 de agosto, os desembargadores tomarão a decisão final sobre o habeas corpus; se Rafael permanecerá preso ou poderá esperar o julgamento de seu recurso em liberdade. Suas chances são pequenas, mas milhares de ativistas no Brasil e fora do País pressionam nas redes sociais e nas ruas, em protestos por várias cidades, pela sua libertação, para que a perseguição contra ele tenha fim.

Nas redes sociais a hashtag #LibertemRafaelBraga tem sido amplamente usada contra as arbitrariedades sofridas por ele. Rafael é um exemplo. É um exemplo do esmagamento que sofrem os mais pobres, da negação de direitos aos mais vulneráveis, da ausência de direitos humanos e a certeza de que o sistema está podre - na realidade, nasceu dessa forma, foi pensado desta forma.

Como escreveu o professor Pablo Ortellado:

"De símbolo da repressão política a protestos, Rafael está se tornando também símbolo do racismo institucional da polícia."

Quem não tem dinheiro não tem nada no Brasil. Pobre, preto e favelado no País tem mais é que morrer, é o que pensam muitos e o que na prática fazem o Judiciário, a PM e o poder público.

Não há nada mais absurdo que a prisão de Rafael. Não há causa mais urgente, mais nobre e mais necessária hoje.

Rafael não é apenas um, mas é uma multidão de jovens negros e pobres encarcerados sem cometer crimes, perseguidos e criminalizados por apenas existir. (huffpostbrasil)

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