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O Compliance Criminal no Cenário Corporativo em Tempos de Lava Jato – Por James Walker Júnior



A sociedade brasileira vem experimentando, hodiernamente, os efeitos colaterais do maxi processo denominado Lava Jato. Essa fenomenologia, dos processos midiáticos e de repercussão internacional, guarda sua ancestralidade na Operação Mãos Limpas[1](mani pulite), ocorrida na Itália na década de 1990, tendo como figura central o magistrado Giovanni Falcone.
Exsurge, como questão absolutamente inadiável, a delineação dos contornos de importância e contextualização do Compliance Criminal[2], no cenário corporativo, como instrumento de prevenção, detecção e remediação dos atos de corrupção.
As transformações sociais, a agilidade do avanço tecnológico e a fluidez da informação, dinamizaram o denominado risco global, delineando novos contornos para as relações jurídicas e suas proteções. Nasce um novo modelo de (des)contenção dos fenômenos criminais, alicerçado em um paradigma sistêmico de matriz autoritária e punitivista, em que o Direito Penal é lançado, jurídico-politicamente, ao patamar de solução da criminalidade.
A quadra histórica de desenvolvimento do Direito Penal Clássico, mais tarde as teorias críticas modernas e até a Criminologia Positivista[3], têm atravessado transformações em suas realidades plurais e cognitivas, lançando-se nova luz sobre as ofensas e tutelas aos bens jurídicos transindividuais.
Na esfera penal, observou-se a sofisticação da criminalidade, que ganhou novos atores, impondo-se a expansão do Direito Penal, alterando-se, consequentemente, a sua lógica epistêmica – referimo-nos à denominada “criminalidade moderna”, terminologia largamente descrita pelo Prof. Cezar Roberto Bitencourt[4].
Paralelamente à criminalidade “comum”, vale dizer, aquela que tende a vitimizar a sociedade diuturnamente pela ocorrência contumaz dos delitos de maior incidência (crimes contra o patrimônio, contra a pessoa e narcotráfico), apresenta-se em desmedida escalada a criminalidade empresarial, ensejando uma nova perspectiva para a abordagem repressiva estatal.
São os novos dilemas estruturais decorrentes da denominada “Expansão do Direito Penal”, descritos de forma sublime por Jesús-Maria Silva Sanches[5], que revela uma realidade plural de utilização do Direito Penal que, cada vez mais, deixa de ser empregado como ultima ratio, o que, ao nosso sentir, trata-se de um equívoco.
Encerrando interesses que residem para além do exercício da persecução penal, os crimes perpetrados na esfera empresarial têm reflexo impactante na economia e no sistema capitalista de manutenção e geração de riqueza, porquanto tendem a desestabilizar desde a geração de emprego, transitando pela afetação arrecadatória e confluindo, por vezes, para o arrebatamento corporativo, tanto em seu segmento produtivo, quanto na projeção reputacional do ente coletivo, com a consequente e indesejável perda de ativos.
Com efeito, o menoscabo aos princípios reitores de conformidade (Compliance), propicia a proliferação de um ambiente fértil às práticas ilícitas corporativas, confluindo para a desestabilização das relações interinstitucionais entre os entes coletivos e o poder público.
Nesse contexto, desponta o instituto do Compliance Criminal como instrumento de prevenção, detecção e combate às ilicitudes do mundo corporativo, buscando-se, além da remediação dos efeitos deletérios dos atos de corrupção, ajustar os mecanismos de conformidade e governança às normatizações postas pelo ordenamento jurídico.
Compliance, do verbo inglês to comply, significa observar, obedecer ou cumprir algo que lhe seja imposto, garantindo-se a “conformidade” das condutas esperadas pelos entes coletivos.
O conjunto de medidas tendentes a conduzir o processo de “conformidade”, denomina-se ComplianceCorporativo, o qual se materializa pela conjugação dos esforços de governança implementados na estrutura administrativa das corporações, tanto quanto pela adoção de procedimentos de controles internos e externos (estes últimos relativos aos atos de terceirizados).
As definições de Compliance proliferam tautologicamente no meio acadêmico, valendo destacar seu caráter interdisciplinar, que conflui para uma metodologia com amarras na prevenção de atos de corrupção.
Surge aqui a matéria prima do Compliance Criminal (corrupção), que o distingue axiomaticamente doCorporate Compliance, sem, contudo, divorciar os institutos, que, ao revés, são complementares.
Promulgada a Lei 12.846/13, que tem ancestralidade paradigmática no ordenamento internacional, sobretudo nas leis congêneres dos Estados Unidos e Reino Unido (FCPA e U.K. Bribery, respecticamente), inaugurou-se um novo momento de persecução da responsabilidade dos pessoas jurídicas no Brasil.
A sistemática legislativa que inspirou esse diploma convida o mundo corporativo ao Compliance, de outro modo, o menoscabo à “conformidade” impõe severas sanções ao ente coletivo (civis e administrativas, tão somente), porquanto temos como principal inovação dessa norma, a introdução dos programas deCompliance, objetivamente, como mecanismos preventivos de ilícitos e mitigação punitiva (de igual forma a previsão do programa de integridade está descrita no Dec. 8.420/2015, regulamentador da Lei Anticorrupção).
As diversas fases da Operação Lava Jato desvelaram o uso reiterado de pessoas jurídicas como instrumento de consecução de objetivos supostamente ilícitos. O volume de capital movimentado em operações duvidosas não poderia suportar o manejo entre pessoas físicas, servindo a pessoa jurídica de “véu” a encobrir gigantescas transações que, por estarem circunscritas às relações corporativas, apresentam, prima facie, feições de licitude.
Nesse instante, ingressamos no empirismo da instrumentalidade prática do Compliance Criminal, que se lança ao cenário corporativo como mecanismo hábil de consecução de resultados preventivos aos atos de desconformidade – que têm sua gênese, no mais das vezes, na figura típica da corrupção – impondo-se ao mundo empresarial, como ferramenta garantista da prevenção ou eventual defesa de direitos, o necessário assessoramento de profissionais do Direito Penal, com efetivo emprego da expertise imanente a essa ramo da ciência jurídica.
Não nos escapa o posicionamento sobre o qual a Lei 12.846/13, ou “Lei Anticorrupção”, diferentemente de outros sistemas jurídicos, afastou do seu contexto analítico a responsabilidade penal dos entes coletivos.
Ocorre, porém, que o manejo dos fatos precedentes à denominada “desconformidade”, implica no trato técnico e metodológico de atos de corrupção, exsurgindo, evidentemente, que essa figura típica, insculpida nos arts. 317 e 333 do Código Penal (corrupção passiva e ativa, respectivamente – sem embargo de outras formas de ilícitos de leis penais extravagantes), não pode ser corretamente prevenida e combatida, senão por profissional detentor de expertise em Direito Penal – defluindo dessa constatação a relevância do Criminal Compliance, sob a condução técnica de um advogado criminal.
Tem-se, como corolário das assertivas cognitivas então expostas, que o Compliance Criminal funciona como instrumento de prevenção e controle da transferência de responsabilidades no contexto corporativo, afigurando-se a “desconformidade” como um subproduto do comportamento ilícito anterior (ato de corrupção).
A concepção pós-moderna da intitulada “Sociedade de Risco”, proposta vestibularmente por Ulrich Beck[6], conduziu à interferência penal em novos campos, sobretudo nos ambientes econômicos e corporativos.
Nesse passo, poucos não foram os ordenamentos jurídicos que introduziram, em seus sistemas persecutórios, acepções metodológicas de cunho punitivista, pautados sempre e sempre em matrizes autoritárias[7], para determinar, como pseudossolução à escalada criminosa nas searas econômica e corporativa, a tipificação de condutas e consequente responsabilização das pessoas jurídicas.
Os efeitos dessa modulação de emprego do Direito Penal, como instrumento de Complinace[8], na fenomenologia da criminalidade corporativa, somente serão sentidos em momento posterior, parecendo-nos mais um reflexo do intervencionismo penal de um estado cada vez mais punitivista.
De nossa parte, preferimos seguir na crença do Direito Penal mínimo, como ultima ratio, apostando na instrumentalidade empírica do Compliance Criminal a ser empregado, sobretudo, como mecanismo de prevenção de atos de desconformidade, apto a reduzir a escalada da ilicitude corporativa.

Notas e Referências:
[2] WALKER JR. James, in Crimes Federais. Org. ESPIÑEIRA. Bruno, CRUZ. Rogerio Schietti e REIS JR. Sebastião. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2015. p. 259.
[3] Prado, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribu­nais, 2008.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Princípios garantistas e a delinquência do colarinho branco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 11, 1995, p. 125.
[5] SILVA SANCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
[6] BECK, Ulrich. Sociedades de risco. Tradução Sebastião Nascimento. 2ᵃ edição: Editora 34. São Paulo, 2011.
[7] BRANDÃO, Nuno. O regime sancionatório das pessoas colectivas na revisão do código penal. Separata da Revista do CEJ, 1º semestre, n. 8, edição especial, Almedina, 2008.
[8] BACIGALUPO, Enrique. Compliance y derecho penal: prevencion de la responsabilidade penal de directivos y de empresas. Buenos Aires: Hammurabi, 2012.

james-walker-juniorJames Walker Júnior é Presidente do IBC Instituto Brasileiro de Compliance, Advogado criminalista, professor de Direito Penal, Processual Penal e Compliance desde 1994 em universidades do Rio de Janeiro; especialista em Direito Penal e Compliance pela Universidade de Coimbra – Portugal; Doutorando em Ciências Jurídicas pela UAL – Universidade Autônoma de Lisboa – Portugal; Presidente da Comissão de Anticorrupção e Compliance da OAB Barra RJ; Sócio do Escritório Walker Advogados Associados.

Publicado originalmente no Empório do Direito

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